quarta-feira, julho 20, 2005

Para a minha alma eu queria uma torre como esta,
assim alta,
assim de névoa acompanhando o rio.
Estou tão longe da margemque as pessoas passam
e as luzes se reflectem na água.
E, contudo, a margem não pertence ao rio
nem o rio está em mim como a torre estaria
se eu a soubesse ter...
uma luz desce o rio,
gente passa e não sabe
que eu quero uma torre tão alta que as aves
[não passem,
as nuvens não passem,
tão alta tão alta
que a solidão possa tornar-se humana.
O Poeta e a Cidade
(Eugénio de Andrade)

segunda-feira, julho 18, 2005



"Um bom poema é
aquele que nos dá a
impressão de que
está lendo a gente...
e não a gente a ele!"
(Mário Quintana)

sexta-feira, julho 15, 2005


Um dia tive um sonho
sonhava que podia voar,
voava sobre as árvores,
as casas e o mar.
Tinha também umas asas,
como os anjos...
e com elas conseguia voar
tão alto, mas tão alto
que os pássaros
vinham ter comigo e perguntavam
quem és tu?
e eu respondia
não sei bem, o que sou...
só sei que consigo voar.
(lisa)


" Eu dormi e achei que a vida era
Alegria/ Acordei e descobri que
a vida era Dever/ Cumpri o meu dever
e descobri que ele era Alegria "
(Paulo Coelho)

quarta-feira, julho 13, 2005

Este homem que pensou
com uma pedra na mão
tranformá-la num pão
tranformá-la num beijo
Este homem que parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais leve
que a sua própria sombra
(António Ramos Rosa)
um quarto só com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só
(António Ramos Rosa)

terça-feira, julho 12, 2005

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
(Vinicius de Moraes)
Conheço uns olhos redondos,
Como olhos de mal-me-quer,
Que um menino pobre tem
E a gente fixa sem querer!
Pensativos, magoados,
Têm por amigo um cão,
Que o menino achou no palheiro,
Onde por vezes dormia,
E a que deu protecção!
Ontem vi os dois sentados
À porta da padaria!...
- O cão mastigava um osso,
E o menino roía
As côdeas duras do pão!
E nos seus olhos redondos
Como olhos de mal-me-quer,
Fixei os meus sem querer,
Para os retirar aflita!

Aprendera eu nos seus olhos
Que ele não vê o que engole,
E estava a comer pão mole
E carne, que não havia
No osso, que o cão comia.
Estava escrito nos seus olhos
Que ele só come o que quer...
Escolhera naquele dia,
Para comer pão quentinho,
O perfume sem igual
Da porta da padaria!
Que rico és sem saber!
Menino que tens um cão
E uns olhos, tristes, redondos,
Como olhos de mal-me-quer!...
Paisagem

(Maria José Travelho Rijo)


segunda-feira, julho 11, 2005

As palavras estão cansadas
De tanta vez empregadas
Sem dizer nada sincero!
Como direi lamento,
Tortura, ou mesmo alegria,
Transmitindo o sentimento?
Não sei! Não sei!
Isso doe-me...
Se ao menos as minhas mãos
Pudessem mexer nas cores,
Que minha alma não tem,
Para pintar suas dores!
Se ao menos isso podessem!
Se agarrasse na vida
E com fúria lhe mordesse,
Talvez a vida chorasse,
E a sua queixa pintasse
Uma dor igual à minha!
Mas se eu não prendo a vida
E ela me prende a mim...
Serei eu mesmo sem cores
Que riscarei sem pintar
As minha mágoas sem fim!
Paisagem
(Maria José Travelho Rijo)



quarta-feira, julho 06, 2005




Infinita invenção
de pétala a escaldar
desprende o falo
a palavra sublinhada
que é ele a avançar-me
pelo corpo
a porta giratória
que me troca
pelo homem e, a este,
o fértil trajo
que lhe cria mais seios
pelo corpo

Poesia
(Luiza Neto Jorge)

terça-feira, julho 05, 2005


Na cor do som
Escuto o pensamento.
O caminho é eterno
No gesto,
Na flor que desabrocha
Do regaço virgem
E no mistério de um murmúrio.
Foi uma pincelada de música
No silêncio da noite
Com o sorriso e a magia do olhar.
A cor do silêncio
(Jorge Neto De Melo)